quarta-feira, 30 de junho de 2010

Espetáculo verdadeiramente divino


A mitologia egípcia é cercada de fábulas. Uma delas, versão diferente das demais, descreve que Anúbis foi agraciado pela misericórdia de Ísis. Conta-se que, fruto de intrigas passionais e inveja, sentimentos tão humanos para deuses, Seth (Tifon) assassinou Osíris, esposo de Ísis. É a morte do sol, a Terra, num tal momento, vê-se em sombra, enfraquecida e abatida. Como se não bastasse, Seth esquartejou Osíris e espalhou seus pedaços por todo o Egito.

Neste momento, Ísis representa a dor africana, abandonada, desolada, a viúva sai em busca dos membros de seu amado. Na crença do Egito Antigo, o corpo deve ser preservado, deve estar inteiro para que ele possa ser tomado pela alma na segunda vida e ressuscitar dentre os mortos. Por isso, o desespero de Ísis, na tradição popular, a pobre viúva do Egito com suas inconsoláveis amarguras, ela chora, mas nunca desespera.

Nessa fúnebre aventura em busca do corpo do marido, Ísis descobre um ser disforme, sangrento, com sua monstruosidade, um recém-nascido que chora de fome e frio. Para sua surpresa, a criança é Anúbis, um ser com cabeça de cão (chacal), filho do deus Seth, feroz assassino de seu esposo.

Diante de si está o filho de quem lhe causou tamanha dor. A vingança é o primeiro sentimento que passaria pela cabeça de qualquer mortal. Chance única. A criança está indefesa e o ódio que a dor da perda provocara em Ísis, era suficientemente forte para justificar esse ato. Desmembrar Anúbis como o fez o seu pai contra Osíris.

Mas a bondade, o amor e a misericórdia de Ísis superaram todo o sentimento negativo que pudesse brotar naquele instante. Levantou a pequena monstruosidade e, apertando-a contra o peito, alimentou a criança em seu seio. Ísis é a própria ternura e clemência. Espetáculo verdadeiramente divino! Que toda a Terra o venha contemplar!... A viúva do assassinado alimenta o filho do assassino! Nutrido do leite de bondade, banhado das lágrimas do amor, o monstro torna-se um deus”.

terça-feira, 29 de junho de 2010

O Delta do Nilo: exuberância em vida, esperança para a morte



O Egito observado por imagem de satélite percebe-se que sua maior parte é coberta por deserto. Cortado por um caudaloso rio, o Rio Nilo, suas margens são marcadas por um verde que se destaca fortemente entre o amarelado desértico característico. Para o europeu, à primeira vista, principalmente quando lá chegou, via a região como um verdadeiro cemitério a céu aberto, uma extensa rua fúnebre. Isso se deve a grande importância dada pelo povo egípcio à crença da vida após a morte.


Para o africano, principalmente o do Baixo Egito que se situa ao Norte, todo aquele verde, com as margens do rio cheias de lodo é o paraíso da África. Todos desejavam estar ali e depois da morte poder desfrutar do local no “além”. Para isso, barcas conduziam os corpos para a região onde seriam sepultados. Isso explica o acumulo de túmulos.



O Delta do Nilo é uma região extremamente fértil. Exuberância em vida para os africanos e esperança para a morte do deleite de quem não pôde viver por lá. O rio em época certa inunda suas margens e quando recua, deixa um lodo quase negro que fertiliza a terra e permite que o homem, com a mesma regularidade do rio faça seu trabalho agrícola.



A importância da crença na vida após a morte pode ser entendida no esforço que os trabalhadores menos abastados faziam para cuidar da sua segunda vida. O túmulo era para dois. Para a esposa e para o esposo. Árduo trabalho dele, dura economia para ela. Mas ao final, seriam embalsamados juntos e juntos renasceriam para a vida além daquele túmulo de pedra.



Fonte imagens: ©2010 Google

Fonte pesquisa: LEVEQUE, Pierre - As Primeiras Civilizações - Volume I: Os Impérios do Bronze. Lisboa: Edições 70, 1998; Millard, Anne - Os Egípcios - Editora Melhoramentos - 1982; Michelet, Jules - A Bíblia da Humanidade: Mitologias da Índia, Pérsia, Grécia e Egito. Ediouro, 2002.